domingo, 12 de julho de 2020

1984: Winston Smith e o encontro com o passado, a descoberta do belo e a presença do sagrado Parte I




Guerra é Paz
Liberdade é Escravidão
Ignorância é Força



- Lema do Partido do Grande Irmão




O romance 1984 de George Orwell ocorre num mundo onde a revolução comunista venceu e se instalou. Ele se divide em apenas três regiões que volta e meia entram em guerra entre si, volta e meia unem-se, duas a duas, e permuta-se de aliados em outros tantos momentos. Nosso protagonista, Winston Smith, vive na região da Oceânia, onde impera o partido único do terrível Grande Irmão, figura que faz menção a Stálin. 


Winston trabalha no Ministério da Verdade, onde é responsável por alterar notícias do passado para se adequarem aos interesses dinâmicos do Grande Irmão. Na verdade, existe todo um prédio com inúmeros funcionários que trabalham diariamente com esse fim. O controle do passado é de suma importância para o Partido, pois quem o possui controla toda a História - passado, presente e futuro. 

O mundo que Winston vive é tal que ninguém mais consegue ter certeza de qualquer fato sequer, a única certeza possível é aquilo que é dito pelo Grande Irmão. A cada instante, notícias novas surgem para substituir as antigas. O passado é tão dinâmico quanto o presente e isso representa um grande problema, pois um povo sem passado é um povo órfão. Não existe mais nenhuma tradição, nenhuma história, nenhum vínculo com a ancestralidade: tudo o que existe agora é o Partido; vive-se para o Partido.

Entretanto, em determinado momento do romance, surge em Winston um certo desconforto em relação a isso. Ele começa a querer saber como era o mundo pré-revolução, se era melhor ou pior que o atual. Afinal de contas, tinha aprendido que antes da Revolução o mundo era dominado por gente muito má que pertencia a classes superiores e oprimia as classes mais baixas da sociedade. "Os capitalistas eram donos de tudo que havia no mundo e todos os outros homens eram seus escravos. [...]. Haveria menção sobre bispos [...], juízes [...] e a prática de beijar o pé do papa.". Não é preciso ir muito longe para notar que a destruição revolucionária se dirigia aos três pilares da civilização ocidental: o capitalismo, a religião e as instituições de direito.

Em sua busca por descobrir como de fato era o passado, Winston se vê caminhando em direção ao bairro dos proleta ("proletários" em Novafala), na volta pra casa após o expediente. E, depois de muito perseguir sem obter êxito, encontra uma lojinha de antiguidades familiar. Era onde havia comprado seu diário há muito tempo. Ele, enfim, se depara com o conhecido que havia se tornado esquecido.

Ao entrar na lojinha, é atendido por um vendedor aparentemente idoso. Seu nome era sr. Charrington e morava ali também. O interesse de Winston em conhecer mais sobre o passado foi percebido pelo vendedor que iniciou um diálogo com ele.

Logo em seguida, o olhar de Winston fora atraído por um objeto de vidro, "que brilhava suavemente à luz do lampião", que até então nunca vira: um peso de papel semi-hemisférico que continha um coral cor-de-rosa em seu interior. Ficara fascinado; aquilo representava seu encontro com o belo. "É bonito" - afirmou. Ele não estava habituado a esse tipo de arte, nem à experiência estética do belo, afinal, toda arte existente era ideológica: servia ao Grande Irmão, como tudo.

Comprou o objeto, muito mais seduzido por ser uma antiguidade do que por sua beleza, enfiou-o no bolso a fim de escondê-lo porque tudo que era antigo e, no limite, belo, causava suspeitas na Polícia das Ideias. 

Papo vai, papo vem, o sr. Charrington o convida para subir o andar de cima, onde continha uma salinha com mais antiquarias. Era um cômodo que tinha uma lareira, uma poltrona, um relógio de vidro antigo, uma cama grande e dois quadros: um ambiente acolhedor. 

O vendedor mostrou uma das gravuras na parede a Winston. Era uma antiga igreja, São Clemente dos Dinamarqueses, que atualmente estava em ruínas devido a um bombardeio. Prosseguindo, sr. Charrington tenta se lembrar de uma antiga quadrinha popular que era cantada e dançada, tipo aquelas músicas de festas juninas, que reunia os nomes das principais igrejas locais.

A curiosidade de Winston aumentara a tal ponto que ele queria saber onde ficavam as demais igrejas. Era impossível reconhecê-las pela arquitetura, pois tudo fora alterado pelo Partido. Mas, à medida em que conversavam, a quadrinha não saía de sua mente. Cantarolava internamente a ponto de sentir que ouvia os sinos das igrejas:


Sem casca nem semente, dizem os sinos da
São Clemente,
Esses vinténs são pra mim, cantam os sinos da 
São Martim...


Finalmente, o lema assustador e marcante do Grande Irmão fora substituído pela canção popular, isto é, aquilo que é sagrado fora reestabelecido.

A natureza humana de Winston se fazia presente. Era restituída. Seu contato com o passado, sua experiência do belo e seu conhecimento sobre um tempo em que pessoas cantavam e dançavam alegres, onde não existia um controle terrível sobre o pensamento e sentimentos, fazia surgir nele esperança. Esperança de que o mundo voltasse a ser como era antes, ou, pelo menos, em que a liberdade fosse restaurada. Em outras palavras, um mundo em que não houvesse mais o Grande Irmão.

Entretanto, algo aconteceria com Winston que faria ele desistir de tudo isso.


Continua...








terça-feira, 23 de junho de 2020

A iniciação do Sr. Bolseiro




"Numa toca no chão vivia um hobbit. Não uma toca nojenta, suja, úmida, cheia de pontas de minhocas e um cheiro de limo, nem tampouco uma toca seca, vazia, arenosa, sem nenhum lugar onde se sentar ou onde comer: era uma toca de hobbit, e isso significa conforto." 

- J. R. R. Tolkien



"O Hobbit", escrito por J. R. R. Tolkien, conta a história de uma criaturinha pequena (menor que um anão) com pés grandes e peludos que adora o conforto, a comida boa, o sossego de uma tarde tranquila com seu charuto espalhando no ar anéis de fumaça e que é chamada para uma grande jornada, onde terá que lutar contra trols, gobelins, wargs e, finalmente, o terrível Smaug, o Dragão. Apesar da aparente simplicidade que o livro carrega, a história de nosso querido Sr. Bilbo Bolseiro nos traz valiosas lições espirituais e descreve um rito iniciático básico de todo aquele que se predispõe a "nascer de novo". 

Como todo Hobbit, Bilbo vive num vilarejo muito bonito, aconchegante e afastado dos perigos do mundo. Leva sua vida tranquilamente sem muitas aventuras até que surge a figura do sábio - ou do mestre -, representado por Gandalf, o Cinzento, e o convoca para uma jornada muito perigosa: recuperar um tesouro perdido que está sendo protegido por um grande mal, Smaug. 

Aqui já vemos elementos importantes de uma estrutura iniciática: a alma que vive em seu mundo fechado em si mesmo (isso é o que representa o Condado), que não possui uma visão da totalidade da Realidade (incluindo seus perigos), vê-se chamada para uma jornada onde terá que abrir mão de tudo aquilo que lhe é caro. Mas essa jornada representa a ascese da alma na busca daquilo que é mais sagrado, sendo representado aqui pelo grande tesouro.

É natural nos mitos iniciáticos essa estrutura, mudando apenas a representação desses elementos. Por exemplo, temos a mesma estrutura nos mitos órficos, quando Orfeu desce ao Hades para resgatar sua amada, ou quando Cristo desce à mansão dos mortos e ressurge ao terceiro dia. Essa eucatástrofe ocorre em quase todo rito de iniciação. 

Entretanto, Bilbo só consegue vencer a inércia inicial e ganhar a motivação necessária para começar a empreitada por que ele é descendente dos Tûk, um ramo de sua linhagem que contém os Hobbits aventureiros. Ora, o que significa esse lado Tûk de Bilbo senão a parte mais elevada de nossa alma, que sempre nos lembra que temos que fazer nossa ascese? 

Mais uma vez, a simbologia disso se encontra nos demais mitos sagrados. No hinduísmo, por exemplo, podemos dizer que o lado Tûk representa o atman - ou o Eu superior. No cristianismo, Jesus nos conta que o Reino de Deus está em nós. Tudo isso para mostrar-nos que a ascensão da alma para o sagrado só é possível porque ela já carrega em si a presença de Deus.

A jornada nos leva a busca desse tesouro precioso mas é preciso derrotar ainda o Dragão, ou seja, o puro mal. Não é preciso ir muito além para perceber que Smaug representa os aspectos mais baixos da alma, e por isso deve ser derrotado.

Ao final de tudo, a eucatástrofe está completa: Bilbo, que mergulhou fundo nas trevas ressurge um novo homem (ops, um novo Hobbit). Ele retorna para seu lar, porém nunca mais será o mesmo, pois ele contemplou a verdade fora do estreito círculo do si mesmo.

Mas, não devemos esquecer que isso tudo só foi possível por que existe uma Providência Divina que esteve ao lado do Sr. Bolseiro todo o momento. Nas palavras de Gandalf: "Você não supõe que todas as suas aventuras e escapadas foram guiadas por mera sorte, só para seu próprio benefício, supõe?"

O elemento da Providência surge aqui para dizer que todo nosso processo de ascese depende, em última instância, da vontade Divina. "Os seus discípulos, ouvindo isto, admiraram-se muito, dizendo: Quem poderá pois salvar-se? E Jesus, olhando para eles, disse-lhes: Aos homens é isso impossível, mas a Deus tudo é possível." (Mt, 19, 25-26)





sábado, 27 de julho de 2019

Discurso de Formatura da turma de Filosofia (Puc-Rio), 27/07/2019




Patrono: Severino Boécio (in memoriam);

Paraninfo: Prof Edgar Lyra;


Homenageado: Prof. Rogério Soares da Costa;



Bom dia a todos(as)! É com muita alegria que estamos aqui reunidos, celebrando esta incrível conquista! Antes de começarmos a discursar, gostaríamos de agradecer efusivamente a Deus, pela Graça que nos concede; às nossas famílias, que nos deram suporte emocional e, muitas vezes, financeiro, para enfrentar esta jornada; ao Paraninfo escolhido por nossa turma, Prof. Edgar Lyra, cuja dedicação quase paternal aos seus alunos mostrou que existe acolhimento dentro do âmbito acadêmico; ao Professor Homenageado, Rogério Soares da Costa, que desempenhou – e ainda desempenha – um papel fundamental em nossa trajetória filosófica; aos demais professores(as) que compõem a presente mesa e à nossa querida Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro que constituiu o palco de nosso engrandecimento pessoal. Que as bênçãos do Pe. Leonel Franca estejam sempre conosco. Particularmente, gostaria de dizer que estou honrado por me formar junto de meu querido amigo, Agostinho Lafaiete, cujo esforço e dedicação, certamente, constituem exemplos de vida.
Severino Boécio, o Patrono escolhido para esta formatura, foi filósofo, teólogo e estadista que viveu no século VI. Autor de diversas obras filosóficas que influenciaram, substancialmente, a filosofia cristã do Medievo, foi condenado à morte injustamente. Na prisão, entre sessões de tortura, escreve sua obra magna: A Consolação da Filosofia. Nela, nosso Patrono relata que, em meio aos seus sofrimentos e lamúrias, a Filosofia aparece a ele na forma de uma mulher altiva, que inspira respeito pelo seu porte e cujo olhar de tão intenso parece estar em chamas, e o repreende por estar naquela situação, espiritualmente, miserável. Após a censura, ela o faz relembrar que a procura da sabedoria – isto é, da compreensão real dos acontecimentos da Fortuna, a qual todos estamos sujeitos – e do amor de Deus, como a verdadeira fonte da felicidade humana, consiste no verdadeiro caminho filosófico. Podemos dizer que A Consolação da Filosofia, bem como toda obra de Boécio, é uma tentativa de preservar o conhecimento antigo, ameaçado pela tomada do Império Romano pelos bárbaros. 
Para nossa surpresa, durante a conjectura deste discurso, a Filosofia nos concedeu a graça de sua presença e nos pediu para escrevermos as palavras que se seguem:
Que a busca pela Sabedoria sempre norteie suas vidas. Já que escolhestes meu caminho, precisarei vos dizer algumas coisas, a fim de guiá-los com maior segurança na jornada que leva à porta estreita da Verdade. Sim, da Verdade. Ora, se tu negas a sua existência, como pode se autonomear um amante da Sabedoria? Eis a primeira advertência que vos deixo: não se deixem iludir pelo império relativista que vos assolam. Pois toda vez que uma civilização entra em crise, seus Protágoras ganham voz. Assim ocorreu nos tempos Antigos, assim ocorre nos tempos atuais.
O filósofo, em tempos obscuros, deve tomar cuidado para não cometer os mesmos erros dos homens de ação. Estes estão à mercê dos acontecimentos, confundem as causas primeiras com as segundas e sempre erram de alvo quando agem. Alguns deles, por negarem veementemente a Verdade, se autoproclamam seus construtores. Então, tomam para si o trabalho de moldar a realidade, ao invés de se adaptarem a ela.
 Desconfiai, portanto, daqueles que pretendem mudar o mundo! Pois como podem querer transformá-lo sem antes saberem interpretá-lo corretamente? Dizem: ‘estamos fazendo isso por amarmos a humanidade!’, mas em nome deste amor abstrato pelos homens, quase sempre amam apenas a si mesmos, não passam de idólatras de seu próprio ego. 
Tu, porém, buscador da Sabedoria, seja como um farol que, em plena tempestade, onde os barcos estão à deriva, permanece sólido, não se deixando abalar pelas ondas e emitindo a luz que ilumina as trevas da ignorância. Confiai no conselho tomista: ‘a Verdade é filha do tempo’, e segue teu caminho com segurança.
Não deêm ouvidos às doutrinas que se travestem de meu manto, mas que tem como objetivo acabar com a Tradição dos valores da Alta Cultura – tradição esta, que foi erigida com o esforço de santos e regada pelo sangue de mártires, a começar por Sócrates. O que diremos, então, para aqueles que querem destruir os valores da Tradição, alegando que possuem a chave da felicidade, e que ela pertence a este mundo, que eles mesmos querem construir? Um firme e sonoro NÃO!
         Vós, herdeiros dessa Tradição e da Alta Cultura, aqui formados, cumpram o dever de mantê-las sempre vivas, nem que para isso também sejam torturados e condenados à morte! Que o espírito de Sócrates, Platão, Aristóteles, Plotino, Sto. Agostinho, Boécio, Sto. Tomás de Aquino, entre outros, sempre vos acompanhe. Assim seja!


Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=ywvHjPJv5t4

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

O absurdo em Dostoiévski: uma abordagem camusiana de Kirílov


"Você finalmente entendeu! Kirillov gritou extasiado. Assim pode ser entendido, se mesmo alguém como você compreende! Você compreende agora que para a salvação de todos é preciso provar este pensamento. Quem vai provar isso? Eu! Não entendo como, até agora, um ateu podia saber que Deus não existe e não se matar ao mesmo tempo. Reconhecer que não há Deus, e ao mesmo tempo, não a reconhecer que você se tornou Deus, é um absurdo, caso contrário, você deve necessariamente se matar. Uma vez que você entende isto, você é o Rei,  você não vai se matar, mas sim, viver na maior glória. Mas, aquele que é o primeiro, deve necessariamente se matar, caso contrário, quem irá começar e provar isso? Sou eu que vou necessariamente me matar, a fim dar início e provar isso. Deus está contra a minha vontade, e eu sou infeliz porque é o meu dever de proclamar a vontade própria. Todo mundo é infeliz, porque todo mundo tem medo de proclamar a vontade própria. É por isso que o homem tem sido tão infeliz e pobre até hoje, porque ele estava com medo de proclamar o ponto principal da auto-vontade e foi obstinado a viver apenas nas margens, como um adolescente. Estou terrivelmente infeliz, porque eu estou com muito medo. O medo é a maldição do homem ... Mas eu vou proclamar a vontade própria, é meu dever acreditar que eu não acredito. Vou começar, e no final, deixarei aberta a porta. E salvarei.  Apenas esta maneira salvará todos os homens e na próxima geração irá transformá-los fisicamente. Na forma física presente, tanto quanto eu tenho pensado, não há possibilidade para o homem sem o seu antigo Deus.  Por três anos tenho buscando o atributo da minha divindade, e descobri-lo: o atributo da minha divindade é – a vontade própria  Isso é tudo, desta maneira posso demonstrar a questão principal de minha insubordinação e mina nova assustadora liberdade. Por isso é muito assustador. Me matarei para mostrar provar minha insubordinação e a minha nova assustadora liberdade ".


- Fiódor Dostoiévski, Os Demônios



Albert Camus (1913-1960), escreveu vários ensaios cuja temática central era a noção do que denominou de absurdo. Em seu ensaio intitulado “O mito de Sísifo”, Camus elabora e descreve[1] filosoficamente tal conceito, ao passo que em seus romances, como por exemplo “O Estrangeiro”, o absurdo é encarnado em seu protagonista Mersault.
Fiodor Dostoiévski (1821-1881), teve grande influência no pensamento camusiano. Seus personagens encarnam dramas existenciais complicadíssimos e dentro deles questões como a existência de Deus, a imortalidade da alma, o suicídio lógico ganham um vigor terrível. É sobre esses temas que Camus irá se debruçar ao escrever seu ensaio sobre o absurdo.
Toda obra de Camus gira em torna da noção de absurdo. Especialmente em “O mito de Sísifo”, o autor destrincha esse conceito que deve ser descrito com detalhes. Não se trata do uso comum que essa palavra adquiriu como sendo algo destituído de regras ou de racionalidade. Absurdo é a constatação de uma desarmonia entre a maravilha que esse mundo nos apresenta e sua total indiferença para com o homem. É quando o humano se dá conta de que a vida não possui um sentido mais profundo a ser desvelado, ou quando observa que a mesma não possui um significado.
O sentimento do absurdo consiste no divórcio entre o homem e o mundo, isto é, a avidez humana em buscar um significado e a total indiferença que o mundo apresenta. Tal sentimento suscita uma questão de suma importância como o suicídio. Se não há sentido na vida, se tudo é redutível a total indiferença, por que não acabar com a própria existência? Camus considera esse problema como central.
Só existe um problema filosófico realmente sério: é o suicídio. Julgar se a vida vale ou não vale a pena ser vivida é responder à questão fundamental da filosofia. O resto, se o mundo tem três dimensões, se o espírito tem nove ou doze categorias, aparece em seguida. São jogos. É preciso, antes de tudo, responder. E se é verdade como pretende Nietzsche, que um filósofo, para ser confiável, deve pregar com o exemplo, percebe-se a importância dessa resposta, já que ela vai preceder o gesto definitivo.[2]
A resposta encontrada pelo autor é a de que o suicídio é ilegítimo para aqueles que vivem a experiência absurda. O confronto que o homem absurdo deve viver seria finalizado pelo suicídio. Ora, após a experiência do absurdo tornar tudo indiferente, se tal homem resolvesse se matar por não a suportar ele estaria dando uma importância para sua vida e isto entraria em contradição com sua experiência. É, portanto, ilógico, do ponto de vista da lógica absurda, o suicídio.
A lógica não pode encontrar satisfação numa atitude que deixa perceber que o assassinato ora é possível, ora impossível. Isso porque a análise absurda, após ter tornado no mínimo indiferente o ato de matar, na mais importante de suas conseqüências, acaba por condená-lo. A conclusão última do raciocínio absurdo é, na verdade, a rejeição do suicídio e a manutenção desse confronto desesperado entre a interrogação humana e o silencio do mundo. O suicídio significaria o fim desse confronto. (...) Tal conclusão, segundo ele, seria fuga ou liberação. Mas fica claro que, ao mesmo tempo, esse raciocínio admite a vida como o único bem necessário porque permite justamente esse confronto (...). Para dizer que a vida é absurda, a consciência tem necessidade de estar viva.[3]
Entretanto, mesmo com a recusa camusiana do suicídio, o autor elenca um personagem literário como o perfeito homem-absurdo. Estamos falando de Kirilov, do romance “Os demônios” de Dostoiévski que se mata para mostrar ao mundo sua descoberta de que Deus não existe. Parece que Kirílov é um personagem intricado que deve ser analisado com mais cautela.
Durante o romance, Kirílov declara que precisa se matar porque “é sua ideia”. Tal ideia surge por sentir que Deus é necessário e é preciso demais que ele exista, contudo, não existe e nem pode existir. Esta constatação, de acordo com o personagem, é suficiente para pôr fim à sua vida. Não se trata de uma vingança metafísica, mas, numa linguagem camusiana, uma revolta.
Ele quer se matar porque tal ato designa sua maior liberdade: “Vou me matar para afirmar a minha maior insubordinação, a minha nova e terrível liberdade”. Seu raciocínio segue uma lógica absurda: se Deus não existe, Kirílov é deus; se Deus não existe, Kirílov deve se matar; portanto, deve se matar para virar deus. A questão gira em torna de reconduzir a divindade à terra. Pois, se Deus não existe eu sou deus, significa que não sirvo a um imortal, portanto, sou livre, sou deus.
Tanto para Nietzche quanto para Kirílov, matar Deus é tornar-se deus, isto é, realizar a vida eterna de que falam os Evangelhos[4]. Essa inversão de ideias – quando comparadas com as dos Evangelhos – pode suscitar uma distinção entre a figura do Cristo (deus-homem) e a de Kirílov (homem-deus). Todavia, o próprio personagem diz que Cristo encarnou o absurdo, foi ludibriado pela natureza. “As leis da natureza fizeram Cristo viver no meio da mentira e morrer por uma mentira”. Portanto, existe mais uma anexação entre essas duas figuras do que uma distinção. E, por isso, Kirilov deve morrer para mostrar aos homens a verdade sobre a existência.
Finalmente aqui chega-se no porque Camus aceita o suicídio de Kirílov. Como este deve morrer para mostrar o caminho da salvação, deve ser o primogênito da nova era de homens e, por isso, tornar-se o redentor da humanidade. É, portanto, um suicídio pedagógico.
O tiro da pistola de Kirílov será o sinal da última revolução. Não é, assim, o desespero que o impele à morte, mas o amor ao próximo como a si mesmo. Antes de encerrar com sangue um indizível aventura espiritual, Kirílov tem uma palavra tão velha quanto o sofrimento dos homens: “Está tudo bem.”[5]

Dostoiévski versus Camus
A obra de Dostoiévski é marcada pelo sentimento que Camus denominou de absurdo. Seus personagens mais evidentes passam por inúmeros conflitos existenciais, geralmente marcados pela inexistência de Deus e pelo niilismo. Desde a ironia demoníaca de Stavróguin até a constatação miserável e preocupante do “tudo é permitido” de Ivã Karamázov, Dostoiévski aborda com profunda sensibilidade o absurdo.
Entretanto, apesar da profunda análise sobre a condição humana e a ausência de sentido, Dostoiévski busca uma solução para o problema que o absurdo impõe. Como recuperar a esperança de um significado para a vida após ter experimentado a mística absurda? A fé na imortalidade da alma. “Se a fé é tão necessária ao ser humano (...), é porque ela é o estado normal da humanidade. Visto que isso acontece, a imortalidade da alma humana existe sem dúvida.” (Dostoiévski em seu Diário de um escritor).
Além disso, segundo Camus, a conclusão de “Os Irmãos Karámazov” expressa pela boca de Aliócha – que afirma indubitavelmente a imortalidade da alma – responde ao problema nevrálgico posto em “Os demônios”. Assim, Stavróguin, Kirílov e até mesmo Ivã Karamázov são vencidos por este salto de fé[6].
Torna-se necessário dizer que para Camus qualquer busca por uma recuperação da esperança, uma explicação que liberte o homem do absurdo ou algo que extrapole a mera descrição do problema absurdo é um salto de fé. Salto esse que ele quer abolir por completo, mostrando aos homens que a experiência absurda é a própria condição humana por excelência. É por isso que Dostoiévski não é considerado por ele um autor absurdo, mas um autor que apresenta o problema absurdo[7].

Reflexões das consequências absurdas
Ainda analisando o caso Kirílov, pode-se traçar algumas consequências que suas ideias geraram. Como dito anteriormente, o suicídio deste personagem é algo messiânico, serve para mostrar aos demais as verdades absurdas. O próprio Camus diz um pouco algumas consequências deste feito:
Stavróguin e Ivã karamázov experimentaram na vida prática o exercício de verdades absurdas. São eles que a morte de Kirílov liberta. Tentam ser czares. Stavróguin leva uma vida “irônica”, sabe-se bem qual. Faz-se erguer o ódio em torno dele. E, no entanto, a palavra-chave desse personagem está em sua carta de despedida: “Eu não pude detestar nada.” É czar na indiferença.[8]
Não somente o suicídio de Kirílov liberta esses demônios, como sua vida até o momento derradeiro também o faz. Segundo uma análise de Soares da Costa[9] em seu blog[10], as atrocidades cometidas pelo grupo dos cinco em “Os demônios” têm o respaldo de Kirilov.
A justificativa para essa afirmação é que Kirilov aceita assinar uma carta escrita por Verkhonvski assumindo a responsabilidade do futuro assassinato do jovem Chatov. Nada melhor do que o “homem novo” – representado por Kirilov – para dar o aval apriorístico da destruição que Verkhonvski simboliza. Em outras palavras, é sob esse espírito da negação – de negar a existência de Deus, a imortalidade da alma, os valores – que a revolução emergirá. E, por mais que Kirilov não seja a causa eficiente do homicídio dos vários “Chatovs” que irão surgir, certamente é a causa final, pois é para lá que a humanidade irá caminhar: na indiferença total.

Considerações Finais
O tema do absurdo posto por Camus levanta sérias reflexões sobre a existência humana. E, mesmo que o suicídio tenha sido descartado por ele – como uma possível consequência lógica do absurdo –, o personagem doistoievskiano Kirilov foi tido como um homem-absurdo por excelência. Viu-se o motivo para que Camus aceitasse o suicídio kiriloviano. Mas, mesmo assim, algumas consequências funestas advindas da experiência absurda foram elencadas e uma questão se põe ao leitor: após a exposição do absurdo e doo salto, qual posição escolher: Ficar com Camus e admitir o absurdo como condição humana inevitável ou com Dostoiévski e aceitar a fé como tal condição? Ser Aliócha e estar convicto da imortalidade da alma ou Merseaut e viver a “experiência mística” da total indiferença?

Referências
CAMUS, Albert. O homem revoltado. 4ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1999.
CAMUS, Albert. O mito de Sísifo. 3ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1989.
COSTA, Rogério Soares. Dostoievski: Kirilov, Verkhovenski e o espírito da negação disponível em http://oleniski.blogspot.com.br/2011/10/dostoievski-kirilov-verkhovenski-e-o.html , acesso em 28/12/2017.
DOSTOIEVSKI, Fiodor. Os irmãos Karamazov. São Paulo: Martin Claret, 2003.
DOSTOIEVSKI, Fiodor. Os Demônios. São Paulo: Editora 34, 2013.
FONSECA, Ludmila Carvalho. O homem extraordinário de Fiodor Dostoievski e o homem revoltado de Abert Camus. Dissertação de Mestrado. Brasília, 2010.


[1] É importante ressaltar que Camus não busca uma explicação para o absurdo, mas uma descrição. O absurdo para o autor impele o homem a não mais buscar explicações para a realidade, visto que não existe um sentido oculto no mundo. Portanto, o homem-absurdo quando cria algo só o cria para descrever um dado da realidade, sem pretensões de caráter explicativo.
Para uma compreensão maior sobre a criação absurda, vide o capítulo “A criação absurda” em “O mito de Sísifo”.
[2] CAMUS (1989), p. 23.
[3] CAMUS (1999), p. 16-17.
[4] CAMUS (1989), P. 63.
[5] CAMUS (1989), p. 64.
[6] CAMUS (1989), p. 65.
[7] CAMUS (1989), p.66.
[8] Id, p. 64.
[9] Rogério Soares da Costa. Professor adjunto do Departamento de Filosofia da UERJ e do Departamento de Filosofia da PUC-Rio. Leciona Epistemologia, Filosofia da Ciência, Filosofia da Natureza, Metafísica e Filosofia da Religião.
[10] http://oleniski.blogspot.com.br , acesso em 28/12/2017.

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Conversando sobre Deus: um diálogo entre Anselmo e Descartes




"Eia, vamos homem! Foge por um pouco às tuas ocupações, esconde-te dos teus pensamentos tumultuados, afasta as tuas graves preocupações e deixa de lado as tuas trabalhosas inquietudes. Busca, por um momento, a Deus, e descansa um pouco nele. Entra no esconderijo da tua mente, aparta-te de tudo, exceto de Deus e daquilo que pode levar-te a ele, e, fechada a porta, procura-o."

- Santo Anselmo in Proslógio, cap. I


“E, portanto, ainda que tudo o que concluí nas meditações anteriores não fosse de modo algum verdadeiro, a existência de Deus deve apresentar-se em meu espírito ao menos tão certa quanto considerei até agora todas as verdades das Matemáticas (...)”

- René Descartes in Meditações Metafísicas, quinta meditação.




O argumento ontológico de Santo Anselmo do “ser do qual não se pode pensar nada maior”, usado para demonstrar a existência de Deus, provavelmente influenciou René Descartes à provar igualmente a existência de um ser “soberanamente perfeito”. A similaridade de ambos argumentos é notável, ainda mais quando percebe-se que estes são totalmente a priori. Embora o foco metódico de cada autor seja diferente, parece que este é um caso onde as diferenças não importam muito pois, tanto o argumento anselmiano quanto o cartesiano giram em torno da pura análise do conceito de Deus.

Para uma breve apresentação dos autores, Anselmo – um agostiniano do século XI – é requisitado pelos seus irmãos monges a fornecer um argumento puramente racional que demonstre a existência de Deus. Após inúmeras reflexões, que o fizeram pensar num único argumento válido por si e em si, sem nenhum outro, Anselmo escreve seu Proslógio onde se encontra seu famoso argumento ontológico. Ressalta-se que não se trata de fundar a fé na razão mas, antes, fornecer fundamentos racionais para o que já se crê, tornando o conteúdo da Revelação inteligível.

René Descartes, físico, filósofo e matemático do século XVII, escreve suas Meditações Metafísicas com o intuito de obter ideias claras e distintas, as quais não se pode duvidar. Para encontrá-las, ele adota uma dúvida metódica que consiste em dar como falso qualquer evento que mostre a menor dúvida. Logo no início de sua primeira meditação ele admite como falso todas as opiniões que até então aprendera. Em outras palavras, tudo aquilo que o foi ensinado – filosofia e ciências medievais. Sua proposta é partir do zero.


Já de antemão pode-se perceber a diferença de abordagens que os dois autores possuem. Um é o monge agostiniano que coloca a razão como serva da teologia revelada; outro, negando todas as opiniões que se mostrarem minimamente duvidosas. Contudo, essas diferenças parecem que somem quando ambos demonstram a existência de Deus.

No capítulo II de seu Proslógio, Anselmo define o conceito de Deus como sendo o “ser do qual não se pode pensar nada maior”. À primeira vista esta definição não diz nada a respeito da existência de Deus, contudo, ao analisá-la cautelosamente se torna impossível dizer como o incrédulo: “o insipiente disse, em seu coração: Deus não existe” (Sl 13,1).


Geralmente, o conceito de algo não implica em sua existência. Por exemplo, pode-se pensar num “unicórnio”. Pode-se, inclusive, pensá-lo como existente. Todavia, não existe nada em seu conceito que force sua real existência. Em suma, não há contradição lógica no fato do unicórnio não existir. 

Coisa bem diferente acontece com o conceito de Deus. Pois, se o “ser do qual não se pode pensar nada maior” só existir na mente de quem o pensa, faltar-lhe-ia uma perfeição que é a existência extra mentis e, portanto, deixaria de ser o “ser do qual não se pode pensar nada maior”. 

Toda a questão gira em torno de duas possibilidades: ou o “ser do qual não se pode pensar nada maior” só existe na mente de quem pensa; ou, existe também fora. Silogismo disjuntivo simples: 

A v B 

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O que distingue quaisquer dois seres é o fato de um possuir uma ou mais propriedades que o outro não têm. Se o “ser do qual não se pode pensar nada maior” não possuir a propriedade de existir extra mentis, então ele será limitado e, poder-se-ia continuar pensando em outro ser do mesmo tipo que exista extra mentis. Logo, se ele é limitado, deixa de ser o “ser do qual não se pensar nada maior”, o que é uma contradição. Por isso, é necessário – logicamente falando – que o “ser do qual não se pode pensar nada maior” exista também fora da mente de quem pensa, pois ele não pode ser privado de qualquer perfeição, senão deixaria de ser o “ser do qual não se pode pensar nada maior”. 

Pode-se dizer que o conceito de Deus é o único conceito que implica na existência do conceituado. É necessário que seja assim, caso contrário existiria uma contradição interna do próprio conceito. E é seguindo esta lógica que Descartes também demonstrará a existência de Deus na quinta meditação.

Após já ter estabelecido seu critério de verdade nas meditações anteriores, Descartes passa a considerar o que ele sabe clara e distintamente de uma série de ideias. Mesmo que ainda não possa afirmar que algo exista fora da res cogitans, cada ideia possui sua forma, sua natureza, que Descartes irá analisar. 

Quando se pensa num triângulo, sabe-se, clara e distintamente, que é um polígono de três lados. Ainda que ele não exista fora de mim, sua natureza é distinta e indubitável, mesmo que seja na qualidade de um objeto meramente possível. 

Sem dúvida, pode-se passar a vida inteira sem jamais pensar na ideia de um triângulo. Contudo, o que Descartes enfatiza é o fato de que a partir do momento em que se concebe clara e distintamente sua ideia, não se pode atribuir nada à ela que a contradiga. Isto é, não se pode mudar sua definição como, por exemplo, dizer que um triângulo é um quadrado de três lados. Isto porque a natureza de tal objeto não é decidida pelos homens como uma convenção. Ela é absolutamente eterna e imutável e, isto, significa conhecer algo clara e distintamente. 

Por ser a natureza da ideia independente, pode-se conhecer sua exata definição – “triângulo é um polígono de três lados” – contudo, não é tudo que se pode derivar daí. Ele possui propriedades que só se descobre posteriormente – por exemplo, que a soma de seus ângulos internos é sempre 180 graus – mas que só são descobertas porque o triângulo é o que é. Em suma, pode-se demonstrar que tais propriedades se seguem da natureza das ideias. 

Se isto é verdade para as ideias geométricas e matemáticas, também para Deus aplica-se o mesmo raciocínio. Isto é, buscar as propriedades que se seguem da natureza de sua ideia. É aqui que a semelhança do argumento anselmiano surge. Pois, se se sabe que estas propriedades derivadas do conceito são necessárias, e se sabe-se que Deus é um ser soberanamente perfeito – como diz Descartes – Sua existência também é necessária. 

Um ser soberanamente perfeito e ilimitado não pode ser privado de existência, caso contrário faltar-lhe-ia algo. Ele deve existir necessariamente assim como a soma dos ângulos internos de um triângulo é 180 graus ou assim como uma montanha sempre vem acompanhada de um vale (como diz Descartes). Dizer o contrário é contradizer a natureza da ideia de Deus. 

Invocando a distinção escolástica entre essência e existência, Descartes afirma que essas qualidades não podem ser separadas em Deus. Pois, de novo, dizemos que a concepção de algo não implica em sua existência – o exemplo do unicórnio acima ainda é válido. Contudo, conceber um Deus (um ser soberanamente perfeito) não-existente é o mesmo que conceber um triângulo quadrado. Em Deus, essência e existência estão inextricavelmente associadas. 

A existência de Deus é um fato mesmo que eu não pense atualmente em Seu conceito. Assim como uma pessoa pode passar a vida toda sem nunca pensar num quadrado, seu conceito existe de forma independente. Mas, a partir do momento em que se concebe a ideia de um ser soberanamente perfeito, se torna uma questão de tempo para descobrir as propriedades inerentes a ele – neste caso, sua existência extra mentis. 

Parece que esse argumento é tão certo e indubitável que se pode pensar nele mesmo sem ter lido as meditações anteriores. Com efeito, “E, portanto, ainda que tudo o que concluí nas meditações anteriores não fosse de modo algum verdadeiro, a existência de Deus deve apresentar-se em meu espírito ao menos tão certa quanto considerei até agora todas as verdades das Matemáticas (...)”

Existe, de fato, muita semelhança entre os dois argumentos citados acima. Os dois giram em torno da questão: se Deus é perfeito, então não se lhe pode faltar nada, nem a existência. Se ambos fossem escritos na mesma época, poder-se-ia conjecturar que era um pensamento quase comum aos seus contemporâneos. Contudo, a diferença de séculos é notável; Anselmo século XI, Descartes, XVII. 

Por mais que a intenção cartesiana tenha sido a de construir seu sistema filosófico partindo do zero, Descartes não obteve sucesso. Percebe-se uma forte influência medieval em suas Meditações, como por exemplo seu cogito[1] que, de algum modo, estava presente em Agostinho; o princípio escolástico de proporcionalidade entre causa e efeito, presente em sua terceira meditação para provar a existência de Deus; o conceito de luz natural, também medieval; a distinção tomista entre essência e existência, sendo que em Deus ela não existe; e o argumento ontológico de Anselmo. 

Além disso, o próprio estilo literário das Meditações é o mesmo que do Proslógio – ambos são meditações. Ambos argumentos são a priori e possuem como ponto de partida a mesma abordagem conceitual: um diz que Deus é o “ser do qual nada se pode pensar maior”, outro diz que Ele é “soberanamente perfeito”, e por isso, Sua existência é necessária, caso contrário há uma contradição. 

Há quem diga que, embora os argumentos sejam parecidos eles estão situados em contextos diferentes. É justa a observação, contudo, um olhar minucioso para a quinta meditação dirá que o argumento cartesiano está um pouco descolado do resto das meditações. O próprio autor afirma – na passagem citada acima – que se tudo dito até o momento não convenceu, isto então convencerá – e lança o argumento ontológico de Anselmo. O que nos leva a pensar tal demonstração cartesiana como uma reformulação do argumento do monge medieval. 



[1] Este ensaio não tem a pretensão de dizer que Descartes plagiou os medievais. Somente está sendo exposto aqui que o projeto cartesiano não partiu do zero, tendo mais influências do medievo do que como se diz costumeiramente. 

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

O problema de Mênon e a teoria da reminiscência de Platão.


"E de que modo procurarás, Sócrates, aquilo que não sabes absolutamente o que é? Pois procurarás propondo-te <procurar> que tipo de coisa, entre as coisas que não conheces? Ou, ainda que, no melhor dos casos, a encontres, como saberás que isso <que encontraste> é aquilo que não conhecias?"

- aporia sofística expressa pelo jovem Mênon.

Inicialmente, o diálogo platônico Mênon começa com uma pergunta aparentemente simples: "A virtude é coisa que se ensina? Ou não é coisa que se ensina mas que se adquire pelo exercício? Ou nem coisa que se adquire pelo exercício nem coisa que se aprende, mas algo que advém aos homens por natureza ou por outra maneira?"[1]. Entretanto, ao fazer tal pergunta, o jovem tessálio - discípulo do famoso sofista Górgias - assume que já sabe o que é virtude. Para ele, que já proferiu inúmeros discursos sobre ela[2], isso era evidente.

Sócrates porém, não se sente apto a responder a questão inicial pois antes precisa saber qual é a definição de virtude. Por isso, reformula a questão à Mênon, com intuito de, sabendo o que seja a virtude, poder responder se ela é ou não passível de ser ensinada. Contudo, a primeira resposta dada por Mênon[3] não agrada o filósofo, pois listar as virtudes não significa defini-la[4]. E é justamente aí que reside a crítica socrática.

Em sua segunda tentativa[5], Mênon procura definir virtude em geral, contudo ele não respeita a multiplicidade do definiedum[6] e confunde suas espécies com a própria coisa em si[7]. Em outras palavras, dizer que justiça é virtude não significa dizer que é a virtude. Mas o discípulo de Górgias continua tentando achar uma reposta que satisfaça Sócrates.

Na última tentativa de responder Sócrates, cita-se um verso de uma poesia antiga: "regozijar-se com as coisas belas e poder alcançá-las"[8]. Entretanto, o protagonista platônico convence o jovem de que a única diferença entre virtuosos e não virtuosos seria a capacidade de conseguir as coisas belas, tendo em vista que todos querem coisas boas para si[9]. E, numa segunda crítica à esta reposta, Sócrates consegue argumentar que sem justiça, conseguir essas coisas boas não seria virtude e, sendo virtude quando alcançadas com justiça, volta-se ao problema inicial: a justiça é uma virtude e não a virtude.

Mênon entra em aporia - citada acima. De alguma forma, Sócrates mostra ao jovem que nem saber o que é virtude ele sabia. Todavia, a aporia só surge porque o próprio filósofo também não sabe definir o que é virtude[10].

Para tentar encontrar uma solução para o impasse sofista acima, Sócrates lançará mão de uma ideia nova: o aprendizado por rememoração; conhecimento como reconhecimento. Invocando a confiabilidade nas palavras dos homens sábios em coisas divinas, o filósofo argumenta que a alma é imortal e já nasceu muitas vezes, tendo portanto, visto todas as coisas, tanto aqui, como no Hades. Pelo fato da natureza ser congênere, não há uma só coisa que a alma não tenha contemplado, de modo que tendo rememorado algo, nada impede dela rememorar outra coisa. Conclui-se que, tanto o aprender e o procurar são rememorações.

Logo depois, Sócrates chama um escravo de Mênon para demonstrar sua tese. A demonstração consiste em fazer com que o escravo - que nunca aprendera matemática na vida - por si só, fizesse dobrar a área de um quadrado usando apenas geometria. Ao final da demonstração, o discípulo de Górgias parece aceitar a imortalidade da alma como uma possível saída da aporia inicial. Entretanto, algumas considerações devem ser feitas quando se aceita uma tese desse tipo.

Se a reminiscência platônica for verdadeira, o conceito de ensino-aprendizagem muda radicalmente. Seja qualquer tipo de conhecimento, ninguém nunca poderá ensinar-nos nada. O máximo que pode acontecer é o mestre apontar o caminho para a lembrança de tal ideia (aqui, no sentido platônico), para o aluno. Este, por sua vez, deverá se esforçar para superar as aporias intermediárias até chegar ao conhecimento da coisa em si.

Talvez, o diálogo Mênon não termine com uma resposta definitiva pelo fato de que ainda existe uma certa ambiguidade no conceito de aprendizagem[11]. Se a teoria platônica fosse hegemonicamente aceita em sua época, certamente essa dubiedade não existiria, e poder-se-ia concluir que a virtude não é coisa a ser ensinada, mas rememorada. Como consequência disto, uma outra pergunta surge naturalmente: como rememorá-la? Será uma dádiva dos deuses? Um esforço único da alma? Um mestre que aponte (e não ensine) o caminho para a virtude? Ou uma mistura dessas coisas?



[1] Mên., 70a.
[2] Id., 80b.
[3] Ibid., 71e.
[4] Ibid., 72b.
[5] ibid., 73d.
[6] ibid., 73d.
[7] ibid., 73e.
[8] ibid., 77b.
[9] ibid., 77d-78c.
[10] ibid., 80d.
[11] Ambiguidade expressa por Mênon, quando no final de 81e pergunta para Sócrates se este poderia lhe ensinar sobre a reminiscência. 

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Estrelando Feyerabend no Vale-Tudo: uma filosofia da ciência anárquica.


"Isto é demonstrado [o anarquismo epistemológico] tanto por um exame de episódios históricos quanto por uma análise abstrata da relação entre ideia e ação. O único princípio que não inibe o progresso é: tudo vale.

- P. Feyerabend em  "Contra o Método", ed. Unesp, 2011.



Em 1975, o filósofo e físico Paul Feyerabend publica seu famoso livro Contra o Método onde defende ideias sobre um anarquismo epistemológico como resultado de uma análise histórica da ciência. Também disserta exaustivamente sobre os impactos culturais que se desdobram numa sociedade onde uma tradição específica se pretenda ter um caráter universal. Pode-se destacar cinco ideias centrais do autor:

1) não pressupunha mais fronteiras entre ciência e outros discursos;
2) desconsiderava a importância de uma metodologia universal;
3) não garantia mais a superioridade desta;
4) não a tornava um conhecimento verdadeiro ou mais próximo da verdade e, finalmente
5) duvida do pressuposto de que um mundo regido por uma única concepção (considerada a melhor), científica ou não, é necessariamente um mundo melhor para se viver.[1]


Anarquismo epistemológico
Feyerabend inicia seu livro Contra o Método com a afirmação de que a ciência é um empreendimento essencialmente anárquico (FEYERABEND, 2011, p. 31). Para o filósofo, tal ideia surge devido à análise histórica da ciência, onde volta e meia os cientistas burlaram (em algum grau) as prescrições epistemo-metodológicas para fazê-la avançar. Tal conduta impele o progresso científico sempre para frente, gerando novas discussões e descobertas.

Contrapondo-se aos ideias racionalistas - como os de karl Popper, por exemplo -  que procuram fixar a ciência num corpo rígido de regras universais e invioláveis, Feyerabend aponta para as irregularidades que o cientista comete durante sua prática, possibilitando assim o progresso científico. Tal ideal de enquadrar a ciência nesses moldes, segundo nosso filósofo, se deve à ausência da análise dos fatores culturais, sociais, políticos, etc., que permeiam a atividade do cientista.

"A educação científica tal como hoje a compreendemos tem precisamente esse objetivo. Simplifica a 'ciência' pela simplificação de seus participantes: primeiro, defini-se um campo de pesquisa. Esse campo é separado do restante da história (a física, por exemplo, é separada da metafísica e da teologia) e recebe uma 'lógica' própria. Um treinamento completo em tal 'lógica' condiciona então aqueles que trabalham nesse campo; torna suas ações mais uniformes e também congela grandes porções do processo histórico. Fatos 'estáveis' surgem e mantém-se a despeito das vicissitudes da história."[2]

Dando continuidade à crítica aos filósofos que buscam prescrever uma metodologia científica, Feyerabend questiona se é preferível dar apoio a tal visão de ciência, visto que de acordo com ela, tal tradição (a ciência) ganharia autoridade dentro da sociedade pelo fato de parecer ser um padrão objetivo - e, portanto, universal - de medida e isenta de fatores humanos. "E minha resposta, a essas perguntas, será um firme e sonoro NÃO" (FEYERABEND, p. 34).

Para justificar essa reposta, ele fornece duas razão. A primeira é concernente ao fato de que o mundo é um grande desconhecido e, por isso, qualquer tentativa de impor regras fixas para conhecê-lo terá um grande fracasso como resultado.  As regras só surgem depois de algo descoberto, ou seja, diz respeito a fatos do passado que já ficaram mais que conhecidos. Se o cientista quiser buscar algo de novo, velhas prescrições dificilmente o ajudarão nessa empreitada.

"Prescrições epistemológicas podem parecer esplêndidas quando comparadas com outras prescrições epistemológicas ou com princípios gerais - mas quem pode garantir que sejam o melhor modo de descobrir não somente uns poucos 'fatos' isolados, mas também alguns profundos segredos da natureza?"[3]

A segunda razão diz respeito a liberdade do ser humano em criar e poder escolher suas próprias "regras" para uma vida feliz. Feyerabend se preocupa muito com essa questão, tornando-a o centro de seus argumentos. Para ele, atacar a ideia de que existam padrões universais - gerando assim, tradições rígidas - é importante, pois isso permitirá ao cientista uma total liberdade na elaboração de suas teorias e experimentos. 

 O princípio tudo vale
Como dito anteriormente, a história da ciência impõe dificuldades na elaboração de regras rígidas, imutáveis e obrigatórias na hora de traçar uma diretriz para a ciência. Não houve sequer uma regra que não tenha sido violada pelos cientistas, e tal violação nem sempre foi resultado de algum tipo de desatenção, mas foi decididamente quebrada. Feyerabend cita exemplos históricos como o atomismo na Antiguidade, a Revolução Copernicana, a emergência gradual da teoria ondulatória da luz, dizendo que "ocorreram apenas porque alguns pensadores decidiram não se deixar limitar por certas regras metodológicas 'óbvias', ou porque as violaram inadvertidamente." (ibidem, p. 37).

Conclui de maneira categórica que isso não é apenas um fato da história, mas é absolutamente necessário que assim ocorra para não inibir o desenvolvimento do conhecimento. Então, hipótese ad hoc, hipóteses que contradigam resultados experimentais bem estabelecidos, hipóteses inconsistentes, etc., serão sempre bem-vindas na prática científica.

Por exemplo, pode-se fazer avançar a ciência procedendo contraindutivamente. Ao contrário do empirismo, cuja essência é a regra que diz que "fatos" e "resultados experimentais" medem o êxito das teorias científicas, a contraregra aconselha-nos "introduzir e elaborar hipóteses que sejam inconsistentes com teorias bem estabelecidas e/ou fatos bem estabelecidos" (ibid., p. 43). Em outras palavras, aconselha-nos a proceder contraindutivamente.

Contudo, uma pergunta surge naturalmente: "é a contraindução mais razoável do que a indução?"(ibid., p. 43). Essa pergunta será respondida em duas etapas. A primeira consiste em examinar a contraregra que incita o desenvolvimento de hipóteses inconsistentes com teorias bem aceitas e confirmadas, e a segunda que incita a proliferação de hipóteses inconsistentes com "resultados experimentais" bem estabelecidos.

Na primeira etapa, uma evidência potencialmente refutadora de uma teoria bem estabelecida só aparece quando comparada com uma alternativa incompatível.  Feyerabend argumenta que algumas importantes propriedades formais de uma teoria são descobertas por contraste, não por análise (ibid., p. 44). Então, se um cientista quer testar o alcance do conteúdo empírico de sua teoria, ele deve adotar uma metodologia pluralista.

Aqui aparece pela primeira vez a expressão "pluralismo metodológico". Tal expressão é importante pois ela é o sinônimo menos polêmico do princípio tudo vale. Ao pronunciar desta forma, Feyerabend quer dizer que sua filosofia não comporta um relativismo ingênuo e, portanto, prejudicial. Ele nunca promoveu uma rejeição de regras. Contudo, ao criticar as exigências de uma possível "regra universal", ele se preocupou em oferecer liberdade total ao cientista - coisa que seria impossível, caso regras universais fossem impostas. Vê-se que o princípio tudo vale não passa de um pluralismo metodológico benéfico à prática científica e o único meio de não inibir o progresso da ciência. Nas palavras dele:

"Minha intenção não é substituir um conjunto de regras gerais por outro conjunto da mesma espécie: minha intenção, ao contrário, é convencer a leitora ou o leitor de que todas as metodologias, até mesmo as mais óbvias, têm seus limites. A melhor maneira de exibir isso é demonstrar os limites e mesmo a irracionalidade de algumas regras que ela ou ele tenderia a considerar básicas. No caso da indução (inclusive a indução por falseamento), isso significa demonstrar quão bem o procedimento contraindutivo pode ser apoiado por argumentação. Recorde-se, sempre, que as demonstrações e a retórica empregadas não expressam nenhuma "convicção profunda" de minha parte. Elas apenas mostram quão fácil é fazer, de maneira racional, que alguém nos siga cegamente. Um anarquista é como um agente secreto que participa do jogo da Razão de modo que solape a autoridade da Razão."[4]

Na segunda parte da resposta à questão inicial, Feyerabend argumenta que não é preciso uma defesa especial da tese. Retomando uma ideia bem defendida por certos filósofos da ciência - incluindo Popper -, sobre a anterioridade da teoria em relação aos fatos, nosso filósofo não está mais interessado em saber se tais hipóteses inconsistentes aos resultados experimentais são ou não bem-vindas, mas se as discrepâncias entre teoria e fato devem ser aumentadas ou diminuídas.

Todavia, se admite-se que os fatos só passam a ser observados, em seus próprios termos, por causa de uma teoria prévia - teoria esta, que muitas vezes é inconsciente -, como elaborar tais hipóteses que contradigam fatos "observáveis"?

"A resposta é clara: não podemos descobri-lo a partir de dentro. Necessitamos de um padrão externo de crítica, necessitamos de um conjunto de pressupostos alternativos, ou, já que esses pressupostos serão bastante gerais, constituindo, por assim dizer, um mundo alternativo inteiro, necessitamos de um mundo imaginário a fim de descobrir as características do mundo real que pensamos habitar (e o qual, na verdade, talvez seja apenas outro mundo imaginário)."[5]

Em outras palavras, como os termos que descrevem os fatos observáveis de uma teoria são próprios dela, é necessário criar um outro sistema de conceitos - que por sua vez trará um conjunto de novos termos (mesmo que a palavra seja a mesma em ambas as teorias, seu significado pode mudar substancialmente) - a fim de comparar tais sistemas teóricos e dar continuidade ao processo contraindutivo.

Para exemplificar essas considerações, Feyerabend analisa o caso de Galileu em sua luta contra os aristotélicos de sua época. Galileu teria mudado as regras do jogo de linguagem[6] dos aristotélicos, onde estas tivessem dificuldade em sua aplicação, para defender o ponto de vista copernicano. Uma dessas mudanças (sutilmente ardilosas), foi substituir o significado da palavra "movimento"[7] para um deslocamento geométrico espaço-temporal, ao invés de ser uma passagem de potência para ato, ou em se tratando da queda dos corpos, como sendo a "tendência para ocupar seu lugar natural".

Também para Galileu, a observação não é mais a evidência imediata, mas uma evidência a ser julgada pelo raciocínio. Como por exemplo o movimento da Terra que, para uma observação empírica imediata, claramente não existe, sendo o Sol a mover-se em torna dela. Como uma semelhança de familía[8], Galileu reinterpreta fatos conhecidos pelos aristotélicos e os introduz em seu novo jogo de linguagem. O que corrobora com a contraregra que insiste na elaboração de hipóteses que contrastem com os fatos bem estabelecidos.

Se a contraindução proporciona o avanço científico, então a condição de consistência de uma teoria é uma opção desarrazoada, pois preserva a teoria mais antiga, e não a melhor. Esta condição exige que hipóteses novas sejam consistentes com as tais teorias.

"Hipóteses contradizendo teorias bem confirmadas proporcionam-nos evidência que não pode ser obtida de nenhuma outra maneira. A proliferação de teorias é benéfica para a ciência, ao passo que a uniformidade prejudica seu poder crítico. A uniformidade também ameaça o livre desenvolvimento do indivíduo."[9]

Para encerrar a defesa da contraindução, Feyerabend argumenta que não há uma única ideia no passado, por mais antiga e absurda que possa parecer, que não seja capaz de aperfeiçoar a ciência. De tal maneira que "toda a história do pensamento é absorvida na ciência e utilizada para o aperfeiçoamento de cada teoria" (id., p. 59).

Essa visão integradora entre ciência e história é de suma importância para a filosofia da ciência. De fato, se a contraindução estiver correta, os cientistas podem pinçar qualquer teoria - desde os mitos antigos até os preconceitos modernos - para promover um progresso científico. E aqui, chega-se nas consequências últimas de se levar em conta o papel da história na ciência:

 "A separação entre a história de uma ciência, sua filosofia e a própria ciência dissolve-se no ar, e isso também se dá com a separação entre ciência e não ciência."(ibid., p.60).



[1]  ARAÚJO P. S., Feyerabend e o pluralismo, Perspectivas contemporâneas em filosofia da ciência, 2012, p. 132.
[2] FEYERABEND, 2011, p. 33-34.
[3] id., p. 34.
[4] ibid., p. 47.
[5] ibid., p. 46.
[6] item 7 de Investigações Filosóficas de Wittgenstein.
[7] Para resumir, "movimento" siginifica a redução de potência para ato. É uma abordagem qualitativa, e não meramente quantitativa, como queria Galileu.
[8] item 67 de  Investigações Filosóficas.
[9] FEYERABEND, p. 49.