quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Sherlock Holmes e o raciocínio dedutivo




"De uma gota d'água, (...), um lógico poderia inferir a possibilidade de um Atlântico ou um Niágora, sem ter visto ou ouvido falar de qualquer dos dois."

 - trecho de um artigo escrito por Sherlock Holmes in "Um estudo em vermelho"



"Holmes" é o personagem mais famoso do escritor britânico Sir Arthur Conan Doyle. Tal personagem ganhou fama entre seus leitores por ser um detetive diferente. Sendo extremamente observador e portador de uma extraordinária memória, Sherlock conseguia juntar os detalhes - muitas vezes detalhes "desprezíveis"- da cena do crime, aglutiná-los e formular uma hipótese que muitas vezes era corroborada com os fatos posteriores.

Muito influenciado pelo conceito de ciência de sua época, sir Conan Doyle faz algumas asserções bem típicas dos empiristas mais radicais. Inúmeras vezes em seu livro, o protagonista repreende seu fiel companheiro Watson alertando-o que não se deve formular teorias antes dos fatos. Os fatos falam por si mesmos e só depois de os analisar é que deve-se estipular as teorias.

É preciso dizer que tal postura filosófica será alvo de inúmeras críticas - principalmente no século XX - pelos filósofos da ciência. Mas, deixando esse assunto um pouco de lado, podemos já traçar um equívoco lógico do pensamento de Holmes.

Quem leu os livros ou acompanhou as inúmeras séries de televisão, com certeza se deparou com os capítulos que Holmes ensinava Watson sobre seu método. Nos livros, geralmente aparece um capítulo chamado "Ciência dedutiva", indicando que o raciocinar do protagonista provinha da Lógica.

Infelizmente, esse pensamento é errado. Na Lógica - que pode ser sinônimo de raciocínio dedutivo -, a conclusão se segue tautologicamente do conjunto de premissas. Isto equivale a dizer que já nas premissas a conclusão está presente. Um exemplo mais que batido de um raciocínio lógico-dedutivo é:

A: Todos os homens são mortais
B: Sócrates é homem
C:. Sócrates é mortal

Como pode-se ver, a conclusão já estava contida nas premissas, bastando que esta fosse reorganizada e posta na terceira linha do argumento.

Sem entrar em detalhes mais específicos da Lógica formal, a própria ordem das sentenças altera a validade do argumento - isto é, se o argumento permanece válido ou não. No exemplo anterior, trocando a ordem de B com C vemos que a conclusão não se segue das premissas (o fato de Sócrates ser mortal não significa que ele seja homem).

Assim, surge então a pergunta: qual o tipo de raciocínio de nosso querido detetive? A resposta é um raciocínio abdutivo.

Um argumento abdutivo se caracteriza por ser a melhor explicação possível. Então, por exemplo, se eu vejo a calçada molhada, num dia de sol, uma mangueira próxima à ela e uma velhinha varrendo as folhas para a rua, eu infiro que a velhinha estava lavando a calçada e que a molhou com sua mangueira. E é exatamente isto que nosso Holmes faz! Ao analisar cuidadosamente os detalhes da cena do crime, ele junta as peças do quebra-cabeças e tira uma conclusão que seria a melhor explicação possível naquele momento.

Todavia, o que o nosso querido Sherlock não sabe, é que num raciocínio abdutivo a conclusão não se segue tautologicamente das premissas. Isto se torna um grande problema quando se tem todas as premissas verdadeiras e infere-se a melhor explicação possível, mas esta não é verdadeira factualmente. Para visualizar a problemática deste tipo de pensamento, imagine a seguinte situação:

"Um homem está ao lado de um cadáver que morreu recentemente - os dois estão sozinhos dentro da cozinha do falecido. Com sangue em suas mãos observa-se que ele segura uma faca. Sabe-se também que este mesmo homem era inimigo do falecido."

A melhor explicação que vem em nossas mentes é a de que o homem matou seu rival e foi pego em flagrante. Contudo, o que aconteceu de fato foi que seu rival teve um ataque epilético quando cortava cebola para o jantar. Ao avistar seu vizinho rival sofrendo, por um impulso nobre de sua parte, o homem correu para ajudá-lo... mas era tarde demais.

Como podemos ver, justamente porque as premissas não garantem a verdade tautológica da conclusão, o raciocínio abdutivo se torna extremamente problemático.

Mas será que isso não era tão elementar assim, meu caro Holmes?