"E de que modo procurarás, Sócrates, aquilo que não sabes absolutamente o que é? Pois procurarás propondo-te <procurar> que tipo de coisa, entre as coisas que não conheces? Ou, ainda que, no melhor dos casos, a encontres, como saberás que isso <que encontraste> é aquilo que não conhecias?"
- aporia sofística expressa pelo jovem Mênon.
Inicialmente, o
diálogo platônico Mênon começa com uma pergunta
aparentemente simples: "A virtude é coisa que se ensina? Ou não é coisa
que se ensina mas que se adquire pelo exercício? Ou nem coisa que se adquire
pelo exercício nem coisa que se aprende, mas algo que advém aos homens por
natureza ou por outra maneira?"[1].
Entretanto, ao fazer tal pergunta, o jovem tessálio - discípulo do famoso sofista Górgias - assume que já sabe o que é
virtude. Para ele, que já proferiu inúmeros discursos sobre ela[2],
isso era evidente.
Sócrates porém,
não se sente apto a responder a questão inicial pois antes precisa saber qual é
a definição de virtude. Por isso, reformula a questão à Mênon, com intuito de,
sabendo o que seja a virtude, poder responder se ela é ou não passível de ser
ensinada. Contudo, a primeira resposta dada por Mênon[3]
não agrada o filósofo, pois listar as virtudes
não significa defini-la[4]. E
é justamente aí que reside a crítica socrática.
Em sua segunda
tentativa[5],
Mênon procura definir virtude em geral, contudo ele não respeita a
multiplicidade do definiedum[6]
e confunde suas espécies com a própria coisa em si[7].
Em outras palavras, dizer que justiça é virtude não significa dizer que é a virtude. Mas o discípulo de Górgias
continua tentando achar uma reposta que satisfaça Sócrates.
Na última
tentativa de responder Sócrates, cita-se um verso de uma poesia antiga:
"regozijar-se com as coisas belas e poder alcançá-las"[8].
Entretanto, o protagonista platônico convence o jovem de que a única diferença
entre virtuosos e não virtuosos seria a capacidade de conseguir as coisas
belas, tendo em vista que todos querem coisas boas para si[9].
E, numa segunda crítica à esta reposta, Sócrates consegue argumentar que sem
justiça, conseguir essas coisas boas não seria virtude e, sendo virtude quando alcançadas
com justiça, volta-se ao problema inicial: a justiça é uma virtude e não a virtude.
Mênon entra em
aporia - citada acima. De alguma forma, Sócrates mostra ao jovem que nem saber o que é virtude
ele sabia. Todavia, a aporia só surge porque o próprio filósofo também não sabe
definir o que é virtude[10].
Para tentar
encontrar uma solução para o impasse sofista acima, Sócrates lançará mão de uma
ideia nova: o aprendizado por rememoração; conhecimento como reconhecimento.
Invocando a confiabilidade nas palavras dos homens sábios em coisas divinas, o
filósofo argumenta que a alma é imortal e já nasceu muitas vezes, tendo
portanto, visto todas as coisas, tanto aqui, como no Hades. Pelo fato da
natureza ser congênere, não há uma só coisa que a alma não tenha contemplado,
de modo que tendo rememorado algo, nada impede dela rememorar outra coisa.
Conclui-se que, tanto o aprender e o procurar são rememorações.
Logo depois,
Sócrates chama um escravo de Mênon para demonstrar sua tese. A demonstração consiste em fazer com que o escravo - que nunca aprendera matemática na vida - por si só, fizesse dobrar a área de um quadrado usando apenas geometria. Ao final da
demonstração, o discípulo de Górgias parece aceitar a imortalidade da alma como
uma possível saída da aporia inicial. Entretanto, algumas considerações devem
ser feitas quando se aceita uma tese desse tipo.
Se a
reminiscência platônica for verdadeira, o conceito de ensino-aprendizagem muda
radicalmente. Seja qualquer tipo de conhecimento, ninguém nunca poderá
ensinar-nos nada. O máximo que pode acontecer é o mestre apontar o caminho para
a lembrança de tal ideia (aqui, no sentido platônico), para o aluno. Este, por
sua vez, deverá se esforçar para superar as aporias intermediárias até chegar
ao conhecimento da coisa em si.
Talvez, o
diálogo Mênon não termine com uma
resposta definitiva pelo fato de que ainda existe uma certa ambiguidade no
conceito de aprendizagem[11].
Se a teoria platônica fosse hegemonicamente aceita em sua época, certamente
essa dubiedade não existiria, e poder-se-ia concluir que a virtude não é coisa
a ser ensinada, mas rememorada. Como consequência disto, uma outra pergunta
surge naturalmente: como rememorá-la? Será uma dádiva dos deuses? Um esforço
único da alma? Um mestre que aponte (e não ensine) o caminho para a virtude? Ou
uma mistura dessas coisas?
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